quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

.Moleque besouro, voa alto.

Experimentei hoje o momento mais difícil desde que cheguei por aqui e ele não teve nada a ver com as dificuldades da língua, preconceitos e tampouco o frio. Recebi hoje por telefone a notícia que meu avô Murilo havia falecido na minha casa em São João de Meriti por volta de uma da tarde.

Meu avô nasceu em Miguel Pereira, cidade serrana do interior do Rio, no dia 27 de setembro de 1930, dia de São Cosme & Damião. Durante a infância morou em um casebre no meio da mata e ainda adolescente mudou para São João para morar com a irmã que por lá trabalhava como empregada doméstica. Entre um e outro bico aprendeu a profissão de mecânico, a qual se dedicou durante toda a vida. Ainda bem jovem casou com a minha avó e teve apenas uma filha de sangue, minha mãe. Porém, apesar da falta de grana, por muitos anos cuidou das filhas de outros parentes que tinham a vida ainda mais difícil.

Foi proprietário de um ônibus antes da era da máfia do transporte público dominar a Baixada, e viu seu negócio falir porque deixava todo mundo que “estava precisando” fazer as viagens sem pagar. Simples, humilde e doce. Me ensinou muito sem usar muitas palavras. E por incontáveis vezes fez o papel de pai pra mim. Quando, por exemplo, em 1993 colocou toda a família dentro de seu Fusquinha 79 e me deu de presente de aniversário uma visita à concentração da seleção brasileira, que disputava as eliminatórias para a Copa do Mundo vencida em 1994.

Meu avô estava sempre feliz, sempre sorrindo. Um homem feliz e justo, que se sentia bem ao lado das pessoas mais humildes e se preocupava apenas com as coisas simples da vida: um Fusca, o Flamengo e a família. Isso era tudo para ele. Um senhor de quase oitenta anos que viveu toda a vida de maneira simples e feliz como um moleque, talvez pela influência da data de seu nascimento. Creio que seja isso.

Há cinco anos meu eterno avô subiu de cargo, ganhou o título de bisavô. E assim que a bisneta Polyana aprendeu a falar provou que dele herdou a vivacidade e o bom humor, apelidando o bisavô de Besouro.
Hoje o Besouro fez seu vôo mais alto. E tenho a certeza que ele vai se encontrar com minha Avó e que um dia estaremos todos juntos novamente. Sorrindo e xingando os atacantes que não honram o amor que cultivamos pelo Flamengo.
Tchau, meu Besouro.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

.Com Sinhá Moça, Vale Tudo! – a cômica novela da vida real.

Tenho sentido umas tonteiras estranhas nos últimos dias, coisa que me atrapalha muito nas aulas de alemão. A língua já é difícil, imagina estudar o tal Deutsch com a cabeça meio confusa... Não rola! Assim sendo, fui fazer uma visita ao médico hoje à tarde. Porém, pela falta do pleno domínio da tal língua acabei me confundindo e cheguei ao consultório uma hora antes do doutor iniciar seus trabalhos. Uma hora de bobeira, e o que fazer? Não dá pra ficar na rua, não com 0º batendo forte no termômetro! E agora José?

Diz o ditado que Deus ajuda os bêbados e as crianças. Eu não bebo, mas na sorte o consultório ficava perto de um pequeno complexo de brechós e lojas de segunda mão, todas elas pertencentes a Cruz Vermelha da Bavária. A Bayerisches Rotes Kreuz recebe doação de todo o tipo de coisa (móveis, roupas, discos e livros) e divide estes itens em três lojas. Demos uma olhada na loja de móveis, nas roupas e nos discos. Eles vendem um monte de quinquilharias bem baratas e interessantes. Mas a grande surpresa me pegou quando eu passeava com os olhos distraídos pelos livros. É estranho estar numa livraria com 100% de livros escritos numa língua que você não conhece. Mais estranho ainda é estar numa livraria de usados da Cruz Vermelha da Bavária e bater os olhos num livro chamado VALE TUDO!

É isso mesmo, meus amigos. Entre (sem exagero) milhares de livros alemães encontrei não um, mais dois livros brasileiros. E (pasmem) Vale tudo não era um livro sobre o estilo de luta na qual o Brasil é bastante conhecido, mas sim o livro da NOVELA Vale Tudo! Tá na capa do livro o nome dos autores: Gilberto Braga, Aguinaldo Silva, Leonor Basséres. Bom, é de conhecimento geral que as novelas da Globo bombam pelo mundo afora, mas a minha imensa surpresa foi descobrir que eles editam livros com o texto da novela aqui na Alemanha! Não satisfeito com o choque de Vale tudo, alguns centímetros à frente, na mesma prateleira, eu encontro um exemplar literário de Sinhá Moça! Com direito a foto da Lucélia Santos ainda gatinha na capa. A tradução para o alemão também é interessantíssima: “Das Gold der Ferreiras”, o que, em português seria algo como: “O ouro dos Ferreiras”.

A prova do crime: encontrei em um site dedicado a memória de Lucélia Santos uma foto do outdoor alemão da novela: http://www.arquivoluceliasantos.com/fichatecnica/novela/sinhamoca.htm

Cada livro saia pela bagatela de 1,10 Euros. Nem pensei duas vezes: meti a mão no bolso, saquei algumas moedas, ajudei a Cruz Vermelha e trouxe os dois exemplares para casa. Agora terei o prazer de estudar alemão com o arcabouço de dois clássicos da dramarturgia brasileira e com a certeza de que a novela é um bem nacional e grato produto de exportação.

Adaptando a clássica mensagem no final das novelas: qualquer semelhança com a realidade é (mesmo?) apenas mera coincidência.